quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

As moscas mudam...








Versos do Oficial de Cavalaria João de Vasconcelos e Sá, lidos por ele próprio, em Évora, perante o Ministro da Agricultura de então (1933), Leovigildo Queimado F. de Sousa






Precisamos de merda

Porque julgamos digna de registo,
A nossa exposição, Senhor Ministro,
Erguemos até vós, humildemente,
Uma toada uníssona e plangente,
Em que evitamos o maior deslise,
Em que damos razão da nossa crise.

Senhor! Em vão esta província inteira,
Desmoita, lavra, atulha a sementeira,
Suando, até à fralda da camisa.
Falta a matéria orgânica precisa,
Na terra que é delgada, e sempre fraca;
A matéria em questão, chama-se CACA!

Precisamos de merda, Senhor Soisa,
E nunca precisámos de outra coisa.

Se os membros desse ilustre Ministério,
Querem levar o nosso caso a sério,
E é nobre o sentimento que os anima,
Mandem cagar toda a gente em cima,
Dos maninhos torrões de cada herdade,
E...mijem-nos também, por caridade.

O Senhor Doutor Oliveira Salazar,
Quando tiver vontade de cagar,
Venha até nós, solícito, calado;
Busque um terreno lavrado;
E, como Presidente do Conselho,
Esprema-se até ficar vermelho.

A Nação confiou-lhe os seus destinos?
Então comprima!...aperte os intestinos;
E, se escapar um traque não se importe:
Quem sabe se cheirá-lo, dará sorte?
Quantos nos porão as suas esperanças,
Num traque do Ministro das Finanças.

E quem já vive aflito e sem recursos,
Já não destingue os traques dos discursos.
Não precisa falar, tenha a certeza,
Que a nossa maior fonte de riqueza,
Desde os montados negros às courelas,
Provém da merda que despejamos nelas.
Precisamos de merda, Senhor Soisa,
E nunca precisámos de outra coisa.

Adubos de potassa, cal e azote!
Mandem merda pura de bispote.
E que todos os penicos Portugueses,
Durante, pelo menos, uns seis meses,
Sobre o montado, sobre a terra campa,
Continuamente, nos despejem trampa!

Precisamos de merda, Senhor Soisa,
E nunca precisámos de outra coisa.

Terras Alentejanas, terras nuas,
Desespero de arados e charruas,
Quem as tem, que as compra, que as herda,
Sente a paixão nostálgica da merda.
Ah! Merda grossa e fina, merda boa,
Das inúteis retretes de Lisboa!

Como é triste saber que todos vós,
Andais cagando sem pensar em nós!
Se querem fomentar a agricultura,
Mandem vir muita gente com soltura.
Nós queremos o trigo em larga escala,
Também nos faz jeito, a merda rala!

Venham todas as merdas...à vontade,
Não fazemos questão de qualidade,
Formais, normais, ou formas esquisitas,
E desde o cagalhão às caganitas,
Ou desde o negro poio, à dura bosta,
Que tudo o que for merda, a gente gosta.

Precisamos de merda, Senhor Soisa,
E nunca precisámos de outra coisa.

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